Olha quem fala. Marcas e consumidores na era da Inteligência Artificial
Theodore Twombly: “You feel real to me, Samantha”
Samantha: “Thank you, Theodore. That means a lot to me”
(HER, 2013, Spike Jonze)
No filme Her, dirigido por Spike Jonze, Theodore Twombly é um homem solitário que supera um término sentimental enquanto trabalha escrevendo cartas aos familiares ou amigos de pessoas que por alguma razão não podem ou querem escrever. Quando Theodore testa uma nova inteligência artificial baseada na personalização e no aprendizado, no seu caso chamada Samantha, embarca com ela em um relacionamento de amizade que terminará dando lugar ao amor. Segundo Björn Schuller , professor de Inteligência Artificial do Imperial College de Londres, a tecnologia básica que vimos em Her data na realidade de finais da década passada. Schuller se questiona que “temos que pensar qual nível de autonomia queremos para a IA no futuro? Trata-se de levar Alexa ou Siri a um nível em que não só recebam ordens e controle por meio da voz, mas que mantenham uma conversa continuada e fluida? Porque isso já podemos fazer”.
Segundo uma pesquisa mundial de PwC , apesar de só 10% dos entrevistados possuirem na atualidade um dispositivo de IA, um a cada três planeja adquiri-lo proximamente. Os consumidores de grandes economias como Brasil ou China estão à frente, segundo o estudo, da intenção de compra, que reflete a velocidade com que está se movimentando a Inteligência Artificial, não só a partir da perspectiva dos usuários, mas também das empresas, com as de grande consumo e o retail liderando. Esta tecnologia não só está mudando o relacionamento com os consumidores, mas também a logística, o envio ou segmentação, e vai de mãos dadas com outros avanços como Internet of Things (IoT) ou o reconhecimento de imagem que, combinados, estão proporcionando às empresas novas massas de dados que até agora não tinham.
“As gerações mais jovens se mostram dispostas a trocar dados com menores reservas sempre que for a favor de experiências mais relevantes com as marcas”
53 % dos consumidores nos Estados Unidos dizem estar preocupados pelo uso de dados e a mudança de modelo de privacidade, e por como os que se dedicam ao marketing usam toda essa nova informação. Porém, as gerações mais jovens se mostram dispostas a trocar dados com menores reservas sempre que for a favor de experiências mais relevantes com as marcas. À medida que o reinado da IA se faz mais onipresente, o equilíbrio entre o uso de dados e a geração de experiências relevantes se fará cada vez mais crítico ou, falando de outra maneira, em lugar de nos ajudar a descobrir como consumidores, as Inteligências artificiais nos encapsulam em um mundo cada vez mais fechado e pequeno. Será difícil que os consumidores não terminem rejeitando-as.
Vimos isso na evolução da popular Spotify, na qual cada vez mais influencia não só a música que já gostamos, mas a que poderíamos gostar e que se localiza fora de nossa zona de conforto. A indicação será a chave e aqueles que trabalham na área de marketing deverão pensar, sobretudo, em como usá-la para se aproximar da IA desde a perspectiva da personalização e como um meio para expandir a visão dos consumidores e não a limitar. Segundo um estudo da Salesforce , essa mudança de paradigma envolve várias expectativas claras dos consumidores e responsabilidades por parte das marcas:
• Journeys mais conectados: o que implicará a ruptura dos silos das empresas e das marcas.
• Personalização: o que requer customização dos pontos de contato.
• Inovação: a chave para seguir impulsionando os limites da experiência.
• Proteção de dados: a geração de confiança do consumidor como a máxima prioridade.
Na medida em que a IA (e todo o resto de desenvolvimentos tecnológicos associados) avança em maior velocidade, veremos também como os trabalhos relacionados com marketing se transformam. Os assistentes virtuais têm todas as credenciais para tornar-se nos próximos anos o principal canal de relacionamento dos consumidores com as marcas. Quando algumas marcas estão ainda tentando entender como construir plataformas webs e estratégias de conversa nas redes mais efetivas, essa nova revolução abre uma frente nova que também modifica por completo a relação. O processo de decisão desses assistentes virtuais muda as prioridades: de procurar tornar-se um dos principais resultados de uma busca em Google a tornar-se a primeira indicação que um assistente virtual faça para um consumidor quando este fizer uma pergunta.
“Os assistentes virtuais têm todas as credenciais para tornar-se nos próximos anos o principal canal de relação dos consumidores com as marcas”
Na busca da indicação perfeita, esses assistentes virtuais tornarão chave a fidelidade e afinidade para uma marca, já que têm a capacidade de aprender das escolhas prévias do consumidor. Vamos levar em conta que, na medida em que a relação entre a IA e o consumidor se faz mais estreita, na realidade o que farão será viver nossos próprios customer journeys com a finalidade de tomar melhores decisões. 66 % dos consumidores já esperam nos dias de hoje que as marcas entendam suas necessidades. Se 40 % dos consumidores acreditam que usarão um assistente de voz em lugar de um app ou uma web nos próximos três anos , parece claro que aqueles que forem capazes de criar experiências que gerem mais afinidade e lealdade, mas que ao mesmo tempo o façam a partir da ideia de indicação, expandirão suas possibilidades de posicionar-se com vantagem nessa mudança.
Das mãos dos assistentes de voz chega, também, uma nova oportunidade das marcas: de tornar tangível a eterna promessa inteletual do branding sobre a geração de uma voz. Uma mudança que vai revolucionar a relação com os consumidores e que envolverá passar de pensar em como fazer que as pessoas “cliquem” em anúncios ou conteúdos, a criar uma voz para a marca com a qual as pessoas realmente possam ter vontade de falar. Os exemplos não param de chegar, entre eles Ask Liv de Estée Lauder para Google Home, Echo Look de GQ, Voque e Amazon para Amazon Echo ou Whisky tasting 101 de Johnny Walker para Google Home.
Essa futura desintermediação extrema envolve que em algum momento próximo poderemos chegar a deixar de falar com pessoas (funcionários humanos em diferentes níveis da marca) para falar diretamente com a marca, através de um sistema com um comportamento muito específico. Enquanto isso chega, a verdade é que a perspectiva de uma relação direta entre marcas e consumidores deveria chamar à reflexão a muitos diretores de marketing e responsáveis pela marca. Eles deveriam analisar se estão contribuindo para que suas marcas possuam uma personalidade atrativa com a qual as pessoas tenham vontade de conversar ou se, pelo contrário, estão saturando o consumidor de conversas vazias e irrelevantes.