“A marca é o propósito público da companhia”
Antonio López é um homem tranquilo e um profissional reflexivo. Sem dúvida, uma das referências da comunicação corporativa na Espanha, como demonstra sua extensa trajetória. Agora se dedica a ensinar e a pesquisar, elaborando uma tese de doutorado que será recebida como imprescindível pelo setor porque tratará do papel dos diretores de comunicação. López é extraordinariamente discreto como se seu longo período como responsável pela comunicação corporativa, primeiro, no Banco Bilbao e diretor geral nas mesmas responsabilidades, do BBV e do BBVA, tivesse deixado uma marca idiosincrática, temperamental.
Poucos profissionais conseguem trocar pontos de vista sobre o mundo das marcas como ele. Conhece esse mundo à perfeição, como demonstra nas respostas incisivas e precisas às perguntas que responde amavelmente para UNO.
P. As marcas exibem os atributos da empresa ou a instituição, isso é o que se diz incansavelmente.
R. Sim, mas primeiro são os fatos, a conduta empresarial, depois os intangíveis como a marca, que não é uma construção no vazio, ou um desenho brilhante. É a consequência de uma conduta mantida no tempo pela empresa ou pela instituição. As promessas que enviam as empresas a seu entorno, tem que refletir a identidade, a personalidade e a realidade da companhia.
P. Ou seja, tem que transmitir realidades, não banalidades.
R. Não pode se dizer “esses são os atributos da marca”, sem mais referências, como se pudessem ser compradas, têm que ser consequência da conduta cotidiana e da história. Claro que um dos atributos que deve ter uma marca é a credibilidade, mas se a empresa não for confiável pelo mercado e pelos consumidores, a marca não oferece confiança. Se a empresa não tem uma boa reputação, a marca não conseguirá sua legitimidade, ou seja, os atributos de uma marca não são afirmações, mas expressão de uma realidade subjacente.
P. Entendi. Construir a marca é uma questão de penetração.
R. Com certeza, a construção de uma marca é uma ação ética, além de comunicativa, e obriga a uma reflexão prévia e a gestão da marca deve vir precedida de uma análise do que somos e como queremos que nos enxerguem. De alguma forma, a Marca é um instrumento de gestão para inspirar condutas, para que nos percebam como queremos ser vistos e que nos vejam como somos autenticamente. A marca é o propósito público da companhia. Sem esquecer a relação entre o ser e o parecer, os atributos mais demandados de uma marca são a credibilidade, a reputação, a adaptação flexível às tendências mutantes, apoiados sempre nos valores de companhia e nos fatos da empresa, e ao mesmo tempo, a marca tem que ser atrativa, que gere emoção.
P. Portanto, a marca tem que ser dinâmica.
R. Claro. Não podemos esquecer que a marca não é uma foto fixa no imaginário coletivo, tem que ser ativa e retroalimentar-se permanentemente com as expectativas que tem a sociedade. O que entendo por atividade? Dar resposta à demanda crescente por parte da sociedade, da implicação das empresas na vida da sociedade, seja para estar presente por meio dos patrocínios, nos grandes acontecimentos culturais e esportivos, e também nas difíceis questões sociais que afetam a coletividade. Os cidadãos querem que as empresas estejam no círculo, vivas, próximas, querem que as empresas se tornem cidadãos corporativos comprometidos. Segundo o Estudo Marcas com Valores, mais de 90% dos cidadãos consultados consideram que é importante que as marcas “deem a cara” e se comuniquem com o consumidor.
P. Existe um marketing emocional que está resultando excessivo, você compartilha esse ponto de vista?
R. Como costuma acontecer, sempre podem se produzir excessos, mas o marketing emocional, ao elevar uma relação comercial a uma emoção compartilhada com os públicos e a opinião pública, estabelece uma relação forte e confortável ao mesmo tempo, entre a empresa, sua oferta comercial e o cliente. O vínculo emocional positivo é indispensável para que se produzam comportamentos favoráveis para as marcas.
P. Mas a emoção não racionaliza, não tem capacidade plena de análise.
R. Lógico que é imprescindível, porém, que exista uma relação entre a realidade da oferta comercial que é entregue aos consumidores e a emoção, e que esta não se movimente em um âmbito da fantasia, mas que seja a resposta a uma necessidade do possível cliente que precisa das emoções para decidir uma compra. O espectador que contempla na tela da TV esse tipo de campanha deve encontrar a diferença clara entre o benefício e vantagens diferenciais do produto que se mostra e outros similares e que não se faça a pergunta: Por que eu quero isso? As emoções são sentimentos difícieis de despertar, sobretudo nos consumidores. Não é impossível, mas é claro que uma marca não pode pretender despertar emoções positivas entre o público sem ter construído previamente uma boa estratégia de branding corporativo.
P. Que importância você dá ao desenho, a cor, a imagem da marca e que relação devem ter esses elementos com o produto ou serviço que oferecem.
R. Fundamental para a prestação de serviços e importante para a compra de produtos em um estabelecimento comercial, porque o desenho que responda às expectativas do público pela transparência, hoje tão presente, resulta mais confortável, mais amigável. Colocarei dois exemplos: Ir numa consulta em um hospital em que predomina o cristal sobre as superfícies opacas ou escassamente trasparentes remete a uma grata sensação de conforto. Outro exemplo: A visita a uma livraria é uma festa pelo desenho das capas dos livros expostos, é um desenho desafiador, sugestivo, um canto de sereia difícil de ignorar. Qual a razão do sucesso do Guggenheim? Para mim o desenho do prédio. O desenho, a morfologia dos pontos de venda é a tradução da estratégia de marca às experiências que entrega a marca em todos seus pontos de contato.
P. São utilizados, então, todos os sentidos, todas as percepções?
R. Sim, inclusive tem marcas que apostam por um cheiro que as diferencie do resto. Os objetos da Zara Home levam impresso o cheiro do aroma que vendem para perfumar os lares. Nas lojas da marca Abercrombie, nos Estados Unidos, os vendedores inclusive têm um ritual: a cada duas horas espirram perfume nas roupas. Também tem imagem de marca, tem cheiro de marca, e som ou música de marca.
P. Qual sua opinião sobre as marcas brancas?
R. A crise econômica favoreceu as marcas brancas, porque o consumidor se acostumou a comprá-las por uma razão, porque eram mais baratas e, desta forma, iniciou-se a mudança de uma sociedade guiada por marcas por uma sociedade que opta por produtos mais acessíveis a seus orçamentos, e ao seguir este caminho descubriram a qualidade das marcas brancas. Empresas como Mercadona consolidaram seu sucesso comercial por apostar nas marcas brancas. Além disso, Mercadona consolidou sua liderança garantindo a qualidade das marcas brancas que hoje são marcas de distribuição de grande êxito. Hoje, as marcas do distribuidor representam no mercado espanhol 42% das vendas dos comércios varejistas. Outra experiência foi protagonizada pelo setor farmacêutico, pela produção dos genéricos aos que também o público vai se acostumando.
P. O que acha do chamado Brand Advocacy?
R. Temos que demarcar dois campos: o âmbito da vida social e o universo digital. No primeiro, encontramos que, segundo Edelman em seu informe de 2018, o mapa dos influencers sofreu uma certa mudança. A confiança que depositamos nos iguais, “Um como você” caiu do primeiro posto que ocupava anos anteriores ao terceiro, lhe antecedem no primeiro lugar o funcionário especialista técnico e, em segundo, o especialista acadêmico. Porém, é o coletivo “Um como você”, e nos funcionários como verdadeiros embaixadores das marcas, onde deve se centrar a atenção das empresas, sem desprezar os líderes do espetáculo, da política, dos esportes e das empresas.
P. Essencial o papel dos funcionários e clientes, não acha?
R. Os clientes e os funcionários são o coletivo preferido para recrutar advocacy, constituem o grupo de “Um como você”, o qual envolve uma política de comunicação que deve ativar a esses coletivos a partir de crenças compartilhadas, que nasce na visão e propósito da organização, até chegar à conversão do cliente e do funcionário em advogado defensor da empresa. O sucesso de uma política dirigida a captar influencers pode deparar múltiplos advogados defensores confiáveis e anônimos. Na verdade, é um processo natural que parte da satisfação do cliente e da cultura de integrante do funcionário. Gestioná-lo significa respeito à liberdade dos clientes e funcionários, não os pressionar, não os usar, mas conquistá-los compartilhando valores e satisfações, tanto no serviço ao cliente quanto no trabalho do dia-a-dia. É um processo natural, só tem que reforçá-lo com políticas de compromisso e integração. A marca corporativa é, nesse sentido, a plataforma de gestão onde converge a visão, o propósito, os princípios que constroem as crenças compartilhadas da organização. Tem que esquecer a velha dicotomia entre a cultura e a marca corporativa, ambos ativos devem ser entendidos e gestionados de forma integrada.
P. Marcas e influencers. Acho interessante falar sobre isso.
R. Os últimos dados no universo digital apontam para uma perda de força dos influencers. Fala-se de um ceticismo crescente conhecido como BIF (Branded Influencer Fatigue). Uma pesquisa da Deloitte mostra um dado significativo: há um ano as redes sociais eram utilizadas por 18% dos consumidores quando estavam realizando as compras, este ano não chegaram a 3%. Talvez atrás dessa informação encontra-se o fenômeno dos microinfluencers.
P. Quem responsabiliza uma marca, ou em outras palavras, que compromisso assume em função da imagem que projeta?
R. O compromisso é conseguir a confiança de todos os públicos que se relacionam com a empresa e da opinião pública hoje em dia, no mínimo, estancada.
P. Quem é o dono da Marca?
R. Assim como a Reputação é propriedade dos públicos, a marca é propriedade da empresa e deve ser protegida pelo máximo órgão diretivo, ou seja, o Conselho de Administração. É estranho que uma recomendação da CNMV para o Bom Governo das sociedades listadas na Bolsa, não se pronuncie sobre a gestão da marca. Atribui ao Conselho a faculdade indelegável de promover uma política de responsabilidade social e esquece que o intangível mais importante da empresa é sua marca.