UNO Janeiro 2016

Ganhar o pleito e perder a reputação?

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S e atribui à sabedoria cigana o ditado “tenha pleitos e os ganhe”, expressão que se aplica a muitas penalidades, de distintas ordens, e que, por vezes, resultam na obtenção de uma sentença favorável em um processo judicial. Se esta advertência popular era verdadeira antes, é ainda mais agora, se a partir da pessoa jurídica ou física e seus advogados – sejam demandantes ou demandados, requerentes ou requisitados – não se percebe que os processos judiciais – o que chamamos de litígio – gozam ou padecem de uma enorme publicidade, se nele concorrem fatores de notoriedade pública, que demandam o interesse dos meios de comunicação e, portanto, a atenção da opinião pública.

O conceito de “julgamento paralelo” – aquele que se fundamenta e é julgado fora do órgão jurisdicional e à margem de qualquer procedimento – existe desde a antiguidade, mas a transformação dos cidadãos em formadores de opinião, através das redes digitais que as socializam, faz com que um pleito judicial com um conteúdo potencialmente interessante possa se converter em um enorme artefato contra as partes em um conflito diante de um juiz, e padeça, na cobertura informativa ou midiática, dessa “soma de intangíveis”, que nas palavras de Juan Manuel Mora é o que constitui a reputação das pessoas físicas e jurídicas.

 Os julgamentos paralelos convertem-se em artefatos contra esta “soma de intangíveis”, que é a reputação das pessoas físicas e jurídicas, partes de um pleito

O presidente francês George Clemenceau (1841-1929) já havia advertido que os julgamentos são um “assunto demasiado importante” para deixa-los exclusivamente nas mãos dos advogados. Sendo eu também advogado – além de jornalista – com quase quarenta anos de colegiado, devo concordar que a declaração do líder francês nunca foi mais atual ou mais correta como agora. Porque o que está em jogo em um litígio, qualquer que seja a sua natureza, não é apenas o petitum das partes, mas também os intangíveis que compõem a reputação de cada um dos contendores. Com frequência, a defesa ou o ataque em um processo judicial não se substancia apenas no órgão jurisdicional, mas também no campo da opinião pública, no qual uma sentença favorável poderia deixar de ter importância se, previamente, perdeu-se a reputação.

02_1A conexão do litígio com os meios de comunicação – e através deles, com a opinião pública – é uma variável que todos os advogados devem calcular para saber implementar uma comunicação profissional que, longe de desprezar o interesse público pelo processo, ofereça satisfação. É neste ponto em que se ganha a possibilidade de que à equipe legal, unam-se os profissionais da comunicação para incorporar uma abordagem multidisciplinar na defesa do cliente, orientada a preservar a imagem e a reputação diante de seus grupos de interesse, em primeiro lugar, e depois, da opinião pública. Além disso, e assumindo claramente que em um sistema democrático os juízes são independentes e imparciais, o clima social que é gerado diante de uma litígio notório é suscetível de permear a opinião profissional dos juízes até o ponto de chegar a influenciá-los.

Ainda que em todos os tipos e naturezas de processos o risco reputacional seja uma variável a se considerar, não resta dúvida de que nas áreas penal e comercial este se multiplica geometricamente, porque afeta, ou pode faze-lo, a intangíveis de difícil recomposição, se ao longo do procedimento judicial este se deteriora. O objetivo do apoio da comunicação profissional ao advogado responsável pelo pleito – e sempre sob sua prescrição – consiste, precisamente, em amparar a marcha do processo judicial, acompanhá-lo com informações confiáveis e acessíveis, desfazer confusões – dolosas ou meramente imprudentes – e explicar os passos que irão determinando os trâmites do litigio.

Ocorre, com demasiada frequência, que advogados consideram-se suficientemente capacitados para desenvolver esta faceta de porta-vozes e interlocutores com os meios de comunicação. A realidade, no entanto, é que nem sempre é assim e, em muitos casos, suas intervenções, além de não alcançarem o objetivo clarificador que lhes é demandado, deterioram e gastam sua própria imagem, que também deve ser amparada para o bom fim da defesa dos interesses de seu cliente. Desdobrar-se no papel do advogado e de porta-voz diante dos meios de comunicação é a primeira decisão que deve ser avaliada em um pleito notório e a partir dessa decisão, desenvolver um plano de comunicação – inclusive para planejar o silêncio – que será usado no ritmo do próprio processo.

 A conexão do litígio com os meios de comunicação é uma variável que todos os advogados devem calcular para saber implementar uma comunicação profissional na estratégia de defesa

 

A comunicação em um processo de relevância pública deve superar as barreiras que separam radicalmente o âmbito jurídico do midiático e informativo. Frente ao imperativo da discrição que todo trâmite judicial exige – e que deixou de ter sentido em uma sociedade midiatizada até extremos incontroláveis – há que se introduzir elementos de transparência que não incorrem em ilegalidade (segredo de justiça, por exemplo), porque o habitual é que o erro conceitual ou as insuficiências de dados acompanhem o que chamamos de “vazamentos”, instrumentos muitas vezes, de táticas de comunicação insidiosas. O silêncio, na maioria das vezes, não é rentável.

Superar este imperativo – mais inercial que exigível normativamente – com o que o mundo da jurisprudência e da advocacia se identifica de uma maneira tão pouco realista deve ser acompanhado de um esforço didático extraordinário. O campo jurídico é técnico em sua linguagem, preciso e pautado. O dos meios e das pessoas que discutem sobre os processos judiciais com notoriedade, no entanto, é coloquial, simples e acessível. Por isso, é necessário fazer uma “tradução” do técnico para a linguagem coloquial a fim de que se alcance uma boa compreensão do mecanismo profissional utilizado no processo.

Os advogados – além de quebrar o pudor da discrição e adaptarem-se a uma linguagem pedagógica, tudo isso preparado e planejado por profissionais de comunicação que trabalham no pleito –, devem mudar cento e oitenta graus a concepção sobre os repórteres e a imprensa. A atitude habitual de considera-los “adversários” e, portanto, agentes negativos para a causa, deve ser revertida e transformada. Os jornalistas e os meios de comunicação são, em um processo, grandes aliados se uma estratégia amigável for estabelecida, se longe da ocultação inercial das entranhas do litígio, ele é explicado com espírito didático. Acabou o tempo dos habituais especialistas no gênero jornalístico de tribunais – salvo exceções contadas, ao menos na Espanha –, de modo que não há que dar por certo que os profissionais da informação dispõem de especiais conhecimentos técnicos. Daí a necessidade de evitar os desastres na imprensa durante a explicação das ações judiciais.

Os jornalistas e os meios devem ser amigavelmente contemplados em um pleito e não vistos como adversários, mas como aliados para a correta divulgação da causa

Outros artigos desta mesma edição incidirão em vários aspectos da comunicação e os litígios como um binômio imposto pela contemporaneidade de uma sociedade interconectada, que alcança quase por osmose todos os tipos de conteúdos informativos. O que acontece, como um “último ratio” das considerações anteriores, é que muitas vezes pode-se obter uma sentença ou resolução favorável aos interesses de um cliente, mas tendo tornado o veredito uma autêntica vitória pírrica, porque no caminho do processo foram deixados pedaços da sua reputação. Além disso, o fenômeno da inundação informativa faz com que os acontecimentos se sobreponham e a memória coletiva seja frágil. Um processo que começa com muito ruído na mídia – além disso, negativo para uma das partes – pode transcorrer na maior das indiferenças depois de alguns dias ou meses. O profissional de comunicação, ao lado do advogado e alinhado à estratégia jurídica de defesa dos interesses do cliente, deve ser, nas palavras do já citado Juan Manuel Mora, a reputação guardiã, que segundo o autor, “são os promotores de uma cultura compartilhada, que protegem a reputação, a preservam, a qualificam e a ampliam”.

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