UNO Junho 2014

Expectativa e recursos naturais: Vaca Muerta e outros desafios argentinos

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Estudos recentes sobre opinião pública e recursos naturais na Argentina dão conta de algumas mudanças interessantes na percepção e no nível de interesse das pessoas pelo tema. Por um lado, notamos uma maior atenção de quem responde por questões relacionadas com a sustentabilidade, a necessidade de controle público, ou simplesmente o cuidado do meio ambiente; como sucede na maioria dos países da América Latina, os argentinos parecem estar cada vez mais preocupados com os assuntos que possam comprometer o futuro de seu entorno, apesar de continuarem prevalecendo as respostas guiadas mais pelo alarme e menos pelo conhecimento. Por outro lado, continua-se mantendo os velhos preconceitos e estereótipos sobre o papel das empresas na exploração dos recursos naturais, ao que se soma a percepção de que os benefícios econômicos de tais recursos não chegam.

Hoje, na Argentina, mais de 90% da população considera “muito” e “suficientemente” importante o cuidado ao meio ambiente (Poliarquía, 2013). Esta porcentagem funciona como um alarme contundente quanto ao grau de preocupação das pessoas. Isto ocorre mesmo quando sabemos que a maioria das pessoas talvez ainda não entenda bem do que está falando. Isto se dá porque a poluição, sob um ponto de vista técnico, político ou social, é um fenômeno complexo. E o é sem dúvidas para uma porção importante da população em geral.

Na Argentina mantêm-se os velhos preconceitos sobre o papel das empresas na exploração dos recursos naturais, com respostas em que prevalece mais o alarme que o conhecimento.

Esta complexidade, a preocupação com o cuidado ambiental e o fato de que muitas comunidades continuem esperando respostas para os benefícios econômicos da exploração dos recursos naturais nos permitiram identificar a emergência de um conjunto de respostas que poderíamos definir como “gestos expectantes”: respostas localizadas no limbo da preocupação com o futuro dos recursos, tanto em relação aos benefícios econômicos quanto da defesa ambiental. De alguma maneira, são respostas que hoje estão sujeitas à espera de dados e explicações críveis ou decifráveis. Os governos e as empresas na Argentina (e na região em geral) devem oferecer mais e melhor informação sobre suas ações em defesa do desenvolvimento e da sustentabilidade.

Recentemente concluiu-se outro estudo de opinião pública sobre o nível de conhecimento dos argentinos em relação a Vaca Muerta, uma das jazidas de recursos hidrocarbônicos não convencionais com maior potencial no mundo. Esses “gestos expectantes” aparecem de maneira muito clara. Quase dois anos depois de tornar-se público, o projeto Vaca Muerta gerou uma forte sobrevalorização dos benefícios econômicos que pode oferecer em curto prazo, ao mesmo tempo em que há uma expectativa do seu impacto sobre o ambiente menor do que a esperada.

Vaca Muerta gerou uma forte sobrevalorização dos benefícios econômicos que pode oferecer em curto prazo, ao mesmo tempo em que há uma expectativa do seu impacto sobre o ambiente menor à esperada.

Ainda que de maneira muito preliminar, vimos que na cabeça das pessoas a possibilidade do impacto econômico que supostamente Vaca Muerta trará está eludindo a possibilidade do forte impacto ambiental que pode ocasionar. Por enquanto, a expectativa de Vaca Muerta centra-se mais no aspecto econômico do que no ambiental, embora isto possa mudar nos próximos anos. Se houver decepção quanto à economia, a preocupação ambiental crescerá abruptamente e se forem cumpridas também algumas expectativas, embora isto possa reduzir-se sensivelmente se empresas e governo melhorarem sua capacidade de demonstrar que estão fazendo as coisas bem ou o melhor possível.

Nos levantamentos, 62% dos argentinos reconhecem que leram ou ouviram algo sobre Vaca Muerta; trata-se de uma percentagem importante de reconhecimento se for levado em conta que em geral, para as pessoas comuns, uma jazida destas características é com frequência “invisível”. E mais, desse total, metade diz que sabe “muito” e “suficiente” sobre a jazida; a outra metade diz que sabe pouco” e só insignificantes 2% reconhecem que não sabem “nada”. A popularidade de Vaca Muerta pode ler-se como sinônimo de expectativa, apesar de ser também produto de outros atributos.

Para começar, não pode haver um nome melhor para uma jazida deste tipo. Na América Latina espera-se quase sempre que uma jazida deste tipo leve o nome de um fundador da pátria, um general ou um presidente. Até agora isso não ocorreu e esperamos que não ocorra. Aproveitar mal o nome Vaca Muerta seria um desperdício imperdoável.

Na última década, a maioria dos argentinos inclinou-se com força à possibilidade de que os recursos naturais sejam administrados pelo Estado. Hoje a opinião parece mais moderada.

Por outro lado, mais importantes talvez que o nome sejam seus atributos intrínsecos. Trata-se da terceira formação de hidrocarbonetos não convencionais de maior porte do mundo localizada em pouco mais de 30 000 quilômetros quadrados, o que equivale à superfície da província argentina de Misiones. Se os recursos de Vaca Muerta conseguirem satisfazer as expectativas, o país poderá contar com receitas equivalentes a 20 vezes seu PIB. Efetivamente, dos 62% que dizem ter ouvido ou lido, 84% creem que a jazida terá um impacto econômico “muito” (47%) e “suficientemente” (37%) significativo, e apenas 10% creem que terá “pouco” ou “nada”.

Por que uma porcentagem importante de habitantes crê que Vaca Muerta pode ter um impacto econômico “muito” e “suficientemente” significativo? Que esperam deste impacto? Qual é a evidência que têm para responder com tanta contundência? As respostas a estas perguntas mereceria um estudo mais aprofundado sobre a percepção que tem a população do valor, do potencial ou da escala de uma jazida deste tipo. Por enquanto, as pessoas recebem notícias e mais notícias, todas a respeito da importância histórica ou da envergadura desta potencial fonte de recursos energéticos.

07Então, a partir de que momento as pessoas começarão a exigir que se passe da informação para a realidade? No ano que vem, quando brotarem os fortes protestos dos cidadãos pelos cortes de energia, aparecerão as expectativas criadas em tão pouco tempo sobre Vaca Muerta e as pessoas farão reivindicações pensando em tudo o que ouviram a respeito da jazida? Deve-se recordar que os hidrocarbonetos no país têm a virtude de atrair e aglutinar as reivindicações e os protestos setoriais dos docentes, sindicatos de construção, comunidades de povos originários, organizações defensoras do meio ambiente, etc. A visibilidade e expectativas de Vaca Muerta poderiam amplificar mais estas demandas?

Por outro lado, como vimos em pesquisas e estudos qualitativos, na última década a maioria dos argentinos mostrou considerável inclinação para a possibilidade de que os recursos naturais sejam administrados pelo Estado. Isto ocorre tanto para o caso do petróleo e do gás, como também para a mineração. Esta tendência acentuou-se no caso particular da YPF, empresa fortemente arraigada no imaginário nacional e com muito peso na percepção e nas expectativas da população sobre o abastecimento energético. Como se recorda, em abril de 2012, depois da expropriação da maioria do pacote acionário da YPF, então nas mãos de Repsol, mais de 65% dos argentinos estiveram a favor da medida e, um mês depois, essa porcentagem aumentou até 74%. No início de 2014, a opinião sobre o peso do Estado na matriz energética parece mais moderada, embora 51% da população acredite que o governo deve administrar a produção de petróleo e gás, e apenas 10% creem que deveria ser assunto das empresas privadas. Não obstante, 32% consideram que deve ser uma operação conjunta.

Por outro lado, Vaca Muerta é uma operação que requer muito capital e o governo atual expressou as limitações que tem para usar fundos próprios para levar adiante o projeto. Por isso recorreu e terá que recorrer ainda mais às contribuições privadas. Não obstante, 35% da população crê que o governo tem os fundos necessários para executar este megaprojeto. Além disso, a exploração de recursos não convencionais como os de Vaca Muerta requer conhecimento e tecnologia muito específica. Em comparação com os Estados Unidos, a Argentina não conta ainda com os recursos humanos e técnicos necessários para levar adiante este empreendimento nas mesmas condições vantajosas de custos e benefícios. Não obstante, 52% da população crê que estes recursos humanos e técnicos especiais para Vaca Muerta existem no país. Sem dúvidas, a influência da tradição e da experiência da YPF, a companhia estatal de petróleo, na produção convencional e na grande quantidade de empresas nacionais e estrangeiras que atuam no país influi neste otimismo.

Por outro lado, no caso do dano ambiental que Vaca Muerta poderia gerar, dá-se uma situação bastante insólita, já que, por alguma razão que é preciso investigar em detalhe, a população hoje parece estar dando a Vaca Muerta tempo e até certo benefício da dúvida quanto ao impacto que gerará sobre o ambiente. Talvez o fato de Vaca Muerta estar transcorrendo por etapas exploratórias faça com que a população esteja à espera de um pouco mais de informação de seu impacto quando entrar na etapa de produção em escala. Não obstante, devemos insistir em que isto é muito específico para o nível de conhecimento da população em geral.

Os estudos de opinião púbica nos dizem que, ao contrário do que ocorre em outros casos, hoje só metade da população que ouviu falar de Vaca Muerta considera que a jazida gerará muito ou bastante dano ao meio ambiente. Novamente, em comparação com outros exemplos de indústrias extrativas, estes números podem considerar-se como “tolerantes”, sobretudo se prevalecer entre a população do país 90% de preocupação com o cuidado ambiental. Mais ainda, 30% das respostas asseguram que Vaca Muerta terá “pouco” impacto e 5% que não terá impacto nenhum. Nesta parte, é interessante notar que 13% se mantêm ainda neutros e expectantes, “não sabem ou não responderam”.

Mais surpreendentes ainda são as porcentagens das respostas relacionadas com a utilização da água. Como é de se esperar, 62% afirmam que a jazida usará muita e bastante água, 12% que será muito “pouco” o que será usado e 3% que não usará água. É surpreendente que um tema tão sensível como este indique que consideráveis 23% reconhecem que “não sabem e não responderam a respeito”, algo que até hoje não tínhamos visto em outros estudos sobre a relação entre indústrias extrativas e recursos hídricos.

Vaca Muerta poderá manter todos estes números quando realmente iniciar suas operações?

 

Ernesto Cussianovich
Diretor associado da Poliarquía Consultores
Diretor associado da Poliarquía Consultores encarregado da divisão energia, meio ambiente e recursos naturais. É formado em história (Universidade de Buenos Aires), mestre em história econômica e modelos de desenvolvimento (London School of Economics). Durante dez anos esteve encarregado de diversos projetos sobre educação, governo e desenvolvimento sustentável do British Council e atualmente realiza tarefas de consultoria em projetos PNUDI e BID e de docência em universidades argentinas. 

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