UNO Agosto 2013

Política entre parêntesis

03_2Estamos num tempo em que não esperávamos estar.

Em que o que se diz não é o que se pensa porque não convém dizer o que se pensa.

Os mercados estão à espreita e fazem-nos pagar caro os pensamentos.

Estamos num tempo em que não interessa o que é, mas sim a imagem do que parece ser.

Por isso, vamos perdendo tempos infindos, de reflexão, não sobre o que se passou, mas sobre aquilo que parece que se terá passado. Que talvez se tenha passado. Porque serve uma estratégia de alguém que pretende baralhar para amedrontar, confundir para dominar, manipular para mandar.

Estamos num tempo em que não interessa o que é, mas sim a imagem do que parece ser

Este é um problema que afecta políticos e jornalistas. Sobre o que falamos, o que questionamos, o que problematizamos, por vezes, a realidade pouco importa. Porque já não é possível revertê-la: retirar a primeira impressão que se cola à coisa. Preferimos –os jornalistas– antecipar o acontecimento, a contar o acontecimento. Uma vez antecipado, para quê perder tempo a narrá-lo? Já passou, venha outro. Quem gere a coisa pública –sim, os políticos que elegemos baseados nas suas ideias sobre a melhor forma de nos organizarmos e de resolvermos os problemas comuns– sabe disso, e também tenta antecipar medidas, ideias, reflexões dos grupos de trabalho, antes de as apresentar na forma definitiva. Quer testá-las antes de as decidir. De uma maneira mais directa, chama-se a isso ‘governar pelas sondagens’. Os princípios já ficaram lá atrás, quando se decidiu, fazer da política, a sua vida. O que devia ser entendido como uma atitude nobre e não como um retrocesso civilizacional. E parece –é parecer mesmo– que não lemos as lições da História, que o passado não se passou e não tem peso nas nossas decisões, ou nas decisões que outros tomam e que nos afectam, que nada tem as consequências que uns e outros sabem que têm.

03É o pragmatismo político que nos traz um homem da banca para liderar um governo não eleito em Itália, ou um doutorado em Economia com o Primeiro-Ministro grego, também não eleito. Uma das qualidades mais elogiadas destes dois homens foi o facto de… não serem políticos. A União Europeia tem vários critérios para que os países possam fazer parte do seu projecto que não apenas os do défice e da dívida. Exige, por exemplo o respeito pelo Estado de Direito, pela lei, pela separação de poderes, pela democracia, pelo equilíbrio de poderes. Portugal, a Espanha e a Grécia, tiveram de ser democracias para aderir à comunidade. O que demorou o seu tempo. Mais recentemente tivemos a Hungria que, democraticamente, elegeu um novo Governo. Pois sim, mas não queria cumprir as regras da democracia: concentrou todos os poderes no Primeiro-Ministro (o executivo, legislativo e judicial), desmembrou o Tribunal Constitucional, criou uma comissão para “corrigir” as notícias, etc. A Hungria que decidira, em referendo, aderir à UE, no 1º. de Maio de 2004. Foi a crise da sua dívida e a necessidade de apoio financeiro externo que obrigou os húngaros a ter um banco central independente e a cumprir as regras do Estado de Direito, que a Comissão Europeia exigiu. Foi, de novo, o pragmatismo a vencer.

É o pragmatismo político que nos traz um homem da banca para liderar um governo não eleito em Itália, ou um doutorado em Economia com o Primeiro-Ministro grego, também não eleito. Uma das qualidades mais elogiadas destes dois homens foi o facto de… não serem políticos

Enquanto assim for é difícil falar de política. Pode ser gestão, pode ser acerto nas contas, pode até ser o que é preciso, mas não será o necessário. Responde-se ao lado dos problemas sem nunca os enfrentar, politicamente, isto é, sem os resolver a pensar na coisa pública, que é de todos.

Enquanto assim for é difícil falar de política. Pode ser gestão, pode ser acerto nas contas, pode até ser o que é preciso, mas não será o necessário. Responde-se ao lado dos problemas sem nunca os enfrentar, politicamente, isto é, sem os resolver a pensar na coisa pública, que é de todos

Estamos, assim, num tempo em que a política está entre parêntesis. O problema é o se o parêntesis for tão prolongado que, com ele, a democracia não consiga resistir. E toda a gente sabe o que acontece depois da democracia.

Maria Flor Pedroso
Jornalista
Editora de Política da Antena1, a rádio nacional pública em Portugal. Fez parte da equipa fundadora da TSF onde trabalhou 10 anos. É repórter parlamentar desde 1992. Todas as semanas entrevista uma figura política na Antena1 e na RTP2. Coordena campanhas eleitorais e tem sido enviada especial em diversas ocasiões. Durante quatro anos apresentou “As escolhas de Marcelo” na RTP1. É a voz do “Cuidado com a Língua!” na RTP1. Dá aulas de Jornalismo Radiofónico no ISCEM.

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