UNO Julho 2017

Política externa de Trump para a América Latina: além dos negócios habituais

Desde o anúncio dos resultados das eleições que proclamaram Donald Trump como Presidente dos Estados Unidos em novembro de 2016, especialistas, conhecedores, executivos de empresas e outros que trabalham em assuntos latino-americanos estão em contato com suas fontes para ter uma ideia de como será a política externa do novo governo em relação à América Latina. A desorientação na região após a vitória de Trump resultou em projeções negativas sobre o que representa o seu governo. Contudo, ainda não está claro como as mudanças na política externa dos Estados Unidos afetarão a região, e os analistas já aprenderam que tentar prever os movimentos do Presidente Trump é um negócio arriscado. Portanto, em vez de reagir com exagero, é melhor recuar e pensar de forma estratégica como Trump pode mudar a abordagem regional dos Estados Unidos e seu impacto nos vários países.

 A América Latina não é prioridade… novamente!

Vamos assumir: a queda do muro de Berlim causou uma mudança nos interesses geoestratégicos globais dos Estados Unidos e, após os ataques terroristas de 11 de setembro de 2001, a América Latina deixou de ser prioridade da política externa dos Estados Unidos. O ex-presidente George W. Bush começou seu mandato em 2000 com intenção de fortalecer os laços com a região, mas os ataques terroristas contra os Estados Unidos, as guerras que se seguiram no Afeganistão e no Iraque, a batalha com o Al-Qaeda e o confronto com o Irã mudaram o foco da sua política externa. Depois, o Presidente Obama relegou a região desde o início; em grande parte pelas mesmas razões geoestratégicas mencionadas anteriormente. Além disso, sua própria iniciativa de política externa estava focada em um pivô estratégico com a Ásia. Os vizinhos dos Estados Unidos do Hemisfério Sul ficaram para trás durante os seus mandatos.

A falta de importância estratégica da América Latina para os Estados Unidos não deve mudar na presidência de Trump, considerando o número de questões políticas internacionais urgentes atualmente tratadas pela Casa Branca em outras partes do mundo. Isso só mudará se ocorrer na região uma situação inédita que possa colocar em risco a segurança dos Estados Unidos. Embora o presidente ainda não tenha nomeado a pessoa que ocupará permanentemente a posição diplomática para cuidar da região, vale a pena notar que o governo nomeou pessoas com forte experiência latino-americana para cargos importantes do governo, mas principalmente nos setores de segurança e defesa.

Pilares da política externa dos Estados Unidos para a América Latina… onde se encontra o governo de Trump?

Desde o final da década de 1980 até o momento atual, a política externa dos Estados Unidos em relação à América Latina se baseia principalmente em três pilares principais: livre comércio, democracia e governança (soft power) e segurança. De presidentes republicanos como Ronald Reagan, George H. W. Bush e George W. Bush, a democratas, como Bill Clinton e Barack Obama, os governos americanos apoiaram essas três áreas, mas com abordagens um pouco diferentes.

Livre comércio

O livre comércio é talvez a única área da política externa em que a Casa Branca atualmente mostrou uma posição bem clara. O Presidente Trump permanece fiel ao seu discurso eleitoral, apesar dos pontos de vista de quem sentiu sua campanha mais como um show para atrair eleitores do que uma explicação sobre as políticas do seu próprio governo. Assim que assumiu a presidência, ele retirou os Estados Unidos do acordo de livre comércio da Parceria Transpacífica (TPP), que se concentra na Ásia, mas também inclui três países latino-americanos (Chile, México e Peru). Ele também reiterou sua vontade de renegociar o Tratado de Livre Comércio da América do Norte (NAFTA) e todos os tratados que “não beneficiam” os Estados Unidos.

Os EUA são atualmente o principal parceiro comercial e o primeiro investidor estrangeiro na América Latina. Em 2016, as exportações dos Estados Unidos para a América Latina chegaram a US$ 353,4 bilhões, ao passo que as exportações da América Latina para os Estados Unidos totalizaram US$ 397,1 bilhões.Enquanto isso, o investimento estrangeiro direto dos EUA na região foi de US$ 46 bilhões em 2015.

Trump e seus assessores econômicos expressaram ceticismo em relação a acordos multilaterais; em vez disso, favorecem acordos bilaterais. Independentemente da estrutura, os tratados de comércio que serão mais examinados são aqueles negócios onde os Estados Unidos mostram grandes déficits. Ao dissecar os números, torna-se evidente que, ao separar o México da equação, os Estados Unidos mostram um superávit comercial geral com a América Latina. Esta é, obviamente, uma abordagem muito simplista de análise do comércio, mas considerando a subcorrente nacionalista que varre o cenário político interno dos Estados Unidos, o comércio com o México se tornou um alvo fácil durante a campanha e na presidência.

Os tratados de comércio que serão mais examinados são aqueles negócios onde os Estados Unidos mostram grandes déficits(…)ao separar o México da equação, os Estados Unidos mostram um superávit comercial geral com a América Latina

A revisão do NAFTA certamente será prioridade da agenda comercial. Trump ganhou em um forte discurso de defesa de empregos nos Estados Unidos que desapareceram por causa de “negócios ruins”, e ele não parece querer mudar suas opiniões. Sendo assim, a questão é: até que ponto o NAFTA será modificado? Em 2016, o déficit comercial dos Estados Unidos com o México foi de US$ 63 bilhões, com exportações de US$ 231 bilhões e importações de US$ 294 bilhões dos Estados Unidos. A eleição de Trump e a retórica que a rodeia já causaram desvalorização de dois dígitos no peso mexicano, com impacto significativo nas projeções de crescimento do México para 2017 e 2018. Contudo, uma revisão do NAFTA também pode ter repercussões negativas para as empresas americanas com negócios no México. O México também é um aliado próximo dos Estados Unidos em questões de segurança, desempenhando um papel importante no controle do narcotráfico e dos fluxos de imigração. Estes são assuntos sensíveis de alta prioridade para os Estados Unidos, e a cooperação com o México nestas áreas é crucial. Sem dúvida, alterações serão feitas no NAFTA, mas teremos que analisar todos os detalhes para avaliar a gravidade do seu impacto.

O outro acordo multilateral de livre comércio na região, o Tratado de Livre Comércio entre os Estados Unidos, a América Central e a República Dominicana (CAFTA-DR), que também pode receber alterações, provavelmente não sofrerá muitas mudanças, considerando o superávit comercial dos Estados Unidos de US$ 5,5 bilhões em 2016.

Nos acordos bilaterais de livre comércio com o Chile e o Peru, os Estados Unidos também apresentam um superávit comercial de US$ 4,1 bilhões e US$ 1,8 bilhão, respectivamente. Com a Colômbia, é provável que o governo de Trump vá além dos números do comércio e use o Tratado de Livre Comércio (TPA – Trade Promotion Agreement) entre a Colômbia e os Estados Unidos como uma ferramenta para negociações mais amplas.

O déficit comercial dos Estados Unidos com a Colômbia atingiu US$ 696,3 milhões em 2016,[5] mas neste caso, o acordo comercial bilateral pode entrar em jogo nas negociações gerais com um aliado fundamental nos esforços de redução do tráfico de drogas. Isso inclui conversas sobre o processo de paz na Colômbia, que recebeu um pacote de ajuda de US$ 450 milhões em 2017 no governo de Obama para fornecer assistência militar, ao desenvolvimento e à segurança, além de apoio à construção de instituições. A ajuda dos Estados Unidos em 2018 ao processo de paz na Colômbia, devido ao “orçamento magro” de Trump, diminuiu em 21% quando comparada ao ano de 2016.  Além disso, a cooperação da Colômbia com os Estados Unidos em relação à crise política da vizinha Venezuela também pode ser um fator nas novas discussões que afetam as relações entre a Colômbia e os Estados Unidos.

De fato, ter bons relacionamentos com Trump e sua equipe, como é o caso do Presidente Mauricio Macri da Argentina, pode levar a resultados positivos, principalmente quando a questão está longe da atenção da mídia e não causa reação negativa do presidente. Após a visita de Macri à Casa Branca, o Departamento de Agricultura dos Estados Unidos anunciou que iria eliminar a proibição das importações de limão da Argentina. Isso permitiu aos Estados Unidos importar limões do país sul-americano, que é um dos maiores produtores do mundo, apesar da oposição dos produtores da Califórnia, estado em que o presidente não recebeu muito apoio durante as eleições. Em 2016, os Estados Unidos também apresentaram superávit comercial de US$ 3,9 bilhões com a Argentina. 

Democracia & governança (soft power)

O termo soft power, algo como “poder brando” em português, foi definido pelo Professor Joseph S. Nye, da Universidade de Harvard, como a “capacidade de atingir os outros para obter o que se deseja por meio da sedução, em vez de coerção ou pagamento”.  Nas últimas décadas, essa ideia tem sido o foco da política externa dos Estados Unidos em todo o mundo e a base das relações dos EUA com a América Latina. Os Estados Unidos fizeram um grande uso dessa abordagem para construir boas relações com outros países e fortalecer sua posição como líder global. Essa abordagem propaga a cultura, a linguagem, as tradições e os valores dos Estados Unidos no mundo todo, popularizando o American way (ou o “jeito americano”) e influenciando opiniões e políticas. Esta tendência tem aumentado significativamente devido ao avanço das novas tecnologias, das mídias, da era da informação e das redes sociais.

Promover a democracia e a governança tem sido o ponto principal deste esforço. Seu veículo principal é a Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (USAID), fundada em 1961 para promover o desenvolvimento econômico e os programas sociais por meio da assistência internacional. Desde a década de 1990, o foco da USAID na América Latina tem sido na promoção da democracia e da boa governança, com programas de destaque no México, na América Central, no Caribe e na América Andina. A Colômbia especificamente foi um país fundamental, com assistência militar fornecida no Plano Colômbia acompanhada por programas destinados a fortalecer o princípio rule of law (Estado de Direito) e a boa governança em áreas que o governo estava recuperando dos grupos guerrilheiros durante as décadas da Guerra Civil.

É essa área que provavelmente receberá uma grande mudança na política externa para a região. O governo de Trump indicou claramente o seu desinteresse em promover a governança democrática ou impor os valores de liberdade e democracia dos Estados Unidos.

O orçamento do governo de Trump para 2018 propôs reduzir em 32% os orçamentos do Departamento de Estado e de ajuda externa da USAID e em 36% o auxílio dos Estados Unidos para a América Latina. Os cortes propostos afetariam uma série de programas de ajuda globais, com intercâmbios educacionais e culturais reduzidos em mais de 50%. O orçamento certamente será alterado pelo Congresso, mas não se sabe a porcentagem exata. Isso indica mudanças na política dos Estados Unidos nesta área.

Apesar destes ajustes políticos importantes, as principais questões relacionadas à democracia e aos direitos humanos relevantes aos legisladores republicanos dos Estados Unidos ainda ganharão alguma força, já que o Presidente Trump precisará do apoio desses legisladores para executar sua agenda interna. Por exemplo, o presidente, querendo ou não, provavelmente terá que se envolver nas questões relacionadas à Cuba e Venezuela – questões regionais polêmicas em que senadores importantes como Marco Rubio e John McCain desempenharão papéis influentes na formulação da política dos Estados Unidos.

Segurança

Segurança tem sido consistentemente uma prioridade nos governos dos Estados Unidos quando se trata da América Latina. Com certeza, os maiores problemas de segurança dos Estados Unidos continuarão relacionados ao Oriente Médio, ocupando a agenda de segurança do Presidente Trump e da sua equipe. Porém, a proximidade geográfica da América Latina significa que a turbulência na região pode se tornar grandes ameaças à segurança dos Estados Unidos.

Os altos níveis de criminalidade no México têm um impacto direto na luta contra o narcotráfico e no controle da fronteira com os Estados Unidos, com o desafio das organizações criminosas transnacionais que operam nos dois lados. Isso é agravado pela crescente violência no Triângulo Norte da América Central, composto pelos países El Salvador, Honduras e Guatemala, e onde uma onda expandida de violência de gangues também está facilitando rotas de comércio de drogas para os Estados Unidos. A produção de drogas está mais uma vez em alta na Colômbia. Um longo processo de paz que resultou em um acordo histórico entre o governo colombiano e as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC) levou ao aumento recorde do cultivo de coca e da produção de cocaína, além da expansão de gangues criminosas. As “narcorrotas” encontradas no Peru, na Bolívia e no Paraguai, que se estendem a partes da Argentina e do Brasil, continuam um desafio na região, assim como a expansão dos fluxos de drogas em partes do Caribe, o que também pode ter consequências para Washington.

A proximidade geográfica da América Latina significa que a turbulência na região pode se tornar uma grande ameaça à segurança dos Estados Unidos.

A segurança continuará uma prioridade no governo de Trump, mas o foco provavelmente será em iniciativas “difíceis”, como programas de fiscalização e interdição. Quando se trata de parar o fluxo de drogas, os Estados Unidos reconhecem que fazem parte do problema, pois é alta a taxa de consumo no país. Contudo, os agentes do novo governo continuarão a pressionar seus vizinhos da América Latina para aumentar seus esforços de combate às drogas.

Outro fator que recebe atenção na área de segurança é identificar e neutralizar possíveis células de grupos terroristas na América Latina, com o objetivo de interromper suas relações com os cartéis de drogas e o crime organizado. Notícias recentes relataram que entre 100 e 130 cidadãos deixaram Trinidad e Tobago para se juntar ao Estado Islâmico na Síria e no Iraque desde 2013. Isso fez com que a ilha de 1,3 milhões de pessoas se tornasse o país com a maior porcentagem de pessoas recrutadas pelo EI no Hemisfério Ocidental. Enquanto isso, o Secretário de Segurança Interna John Kelly mostrou-se preocupado com a criação de mais de 80 “centros culturais” do Irã na América Latina, uma região de baixa população muçulmana. “O envolvimento do Irã com a região e esses centros culturais são motivos de preocupação, e seu engajamento diplomático, econômico e político está sendo acompanhado de perto”, disse Kelly. Ele também alertou que, entre 100 e 150 pessoas da América Latina e do Caribe viajam por ano para a Síria para participar do EI. Outras pessoas questionam o nível desta ameaça, dizendo que essas possíveis células estão desativadas desde que a questão se tornou conhecida após os ataques do 11 de setembro.

A questão da segurança está muito ligada a questões internas, e este governo reforçará essa ligação. A equipe de orçamento da Casa Branca pediu US$ 44,1 bilhões para o Departamento de Segurança Interna destinado à infraestrutura na fronteira e fiscalização da imigração. Desse montante, US$ 1,6 bilhão são destinados à construção do muro ao longo da fronteira com o México que Trump prometeu em sua campanha, que continua gerando uma controvérsia entre Washington e a América Latina. Esses fundos também seriam usados para aumentar o número de agentes de patrulha na fronteira e a equipe de fiscalização da imigração e alfândega. O Congresso dos Estados Unidos terá a última palavra sobre a alocação dos fundos.

O Futuro

Embora ainda seja muito cedo para dizer como ficarão as relações entre os Estados Unidos e a América Latina no governo de Trump, indicações históricas, um olhar mais atento sobre as ações iniciais e as mensagens de membros fundamentais do novo gabinete não dão uma ideia do que esperar nos próximos quatro anos. Sob a visão “America First” (a América em primeiro lugar), o livre comércio, a democracia e a governança e a segurança – os três pilares que moldaram o envolvimento dos Estados Unidos na América Latina desde o final da década de 1980 – provavelmente adotarão uma abordagem mais pragmática que favoreça os interesses de segurança econômica e nacional dos Estados Unidos acima de todos os outros. No caso do comércio, é provável que a revisão do NAFTA crie dificuldades e estabeleça novos parâmetros para a relação dos Estados Unidos com o México. Tratados como o CAFTA-DR, além de acordos bilaterais mantidos com países como Peru, Chile e Colômbia, provavelmente não sofrerão grandes mudanças, enquanto as novas alianças com países como a Argentina podem estar em alta. Enquanto isso, os valores americanos, como a democracia, a governança e o apoio aos direitos humanos, podem não ter tanta atenção como as iniciativas de promoção da prosperidade econômica e segurança interna.

Sob a visão “America First” (a América em primeiro lugar), o livre comércio, a democracia e a governança e a segurança (…) provavelmente adotarão uma abordagem mais pragmática que favoreça os interesses de segurança econômica e nacional dos Estados Unidos acima de todos os outros

Porém, como a ajuda americana de apoio ao desenvolvimento, à governança e à educação provavelmente sofrerá cortes significativos em relação ao ano fiscal passado, os programas de segurança com enfoque nas iniciativas “difíceis”, como a inspeção e a interdição, provavelmente terão menos mudanças – um forte sinal de que a segurança continuará como prioridade no governo de Trump. O nível de incerteza continua alto quanto ao futuro das relações entre os Estados Unidos e Trump e a América Latina, mas a política externa para a região provavelmente refletirá as prioridades pragmáticas gerais estabelecidas por este governo dos Estados Unidos.

Texto retirado de “U.S. Foreign Policy Toward Latin America Under Trump: Beyond Business as Usual” do mesmo autor, que deve ser publicado na plataforma Developing Ideas da LLORENTE & CUENCA.

 

Erich de la Fuente
Sócio e diretor-geral da LLORENTE & CUENCA Estados Unidos
É sócio e CEO da LLORENTE & CUENCA Estados Unidos. Tem mestrado em estudos latino-americanos pela Escola Diplomática da Universidade de Georgetown, é graduado em relações internacionais pela Universidade Internacional da Flórida e está fazendo seu doutorado em filosofia pelo programa da Universidade das Nações Unidas-Universidade de Maastricht. Erich fala espanhol, inglês, português, italiano e russo. Em 2001, fundou a EDF Communications. É especializado em concepção e implementação de estratégias de comunicação corporativa, relações públicas, comunicação interna e crise, sendo analista político e arquiteto de iniciativas internacionais de anticorrupção e da boa governança. [EUA]

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