UNO Março 2016

A RSC como placebo

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Apesar de, na atualidade, o conceito da Responsabilidade Social Corporativa estar instalada e as ações envolvendo milhares de empresas atingir milhões de pessoas, quando até duas décadas atrás o conceito estava apenas na boca de alguns vanguardistas que imaginavam como colocá-la em prática, podemos afirmar que ainda há uma grande lacuna entre o que se prega e o que é executado. Ou entre o que é anunciado como feito e o que a realidade demonstra o que verdadeiramente se faz.

Para que a Responsabilidade Social Corporativa – ou qualquer uma das suas reluzentes denominações – funcione como um remédio para aplacar os efeitos da desigualdade e não como placebo, que gera uma sensação de acesso a oportunidades, alguns paradigmas devem mudar o que se pensa e define a estratégia de impacto social das empresas.

Para que a Responsabilidade Social Corporativa funcione como um remédio para aplacar os efeitos da desigualdade e não como placebo, que gera uma sensação de acesso a oportunidades, alguns paradigmas devem mudar

Do bem rentável ao bem útil: uma mudança de paradigma básica passa pela decisão das empresas de produzir bens ou serviços sob a lógica monolítica de bem rentável. Então, um bem rentável começa a ser pensado a partir da economia – porque é rentável ser produzido e comercializado –, logo geram políticas públicas que o promovam, um sistema legal que o proteja, não importando se este bem traz dignidade humana porque o que vale é a rentantibilidade e importa menos ainda se impacta positivamente no planeta, porque o lucro justifica qualquer impacto sobre o meio ambiente. A nova lógica exige que empresários produzam bens úteis para o planeta e para a humanidade, para que a rentabilidade se torne legítima. Acredita-se que um bem útil passa, em primeiro lugar, pelo impacto positivo que produzirá no planeta, então logo se avalia o valor que agrega para a dignidade humana, em seguida se pensa em um sistema legal que o protege, políticas públicas que o promovem e, por último, em uma economia que o produz e o comercialize. A RSC consiste em buscar maneiras de fazer com que uma empresa acumule lucros aportando para a geração de riqueza coletiva e não às custas dela.

Do setor à brecha: muitas ações de RSC são pensadas a partir de lógicas setoriais, respondendo à bem intencionada pergunta do que eu posso fazer por aqueles que sofrem necessidades, mas as iniciativas são definidas a partir da comodidade de um setor social e pensando no outro como beneficiário. Se persistirmos na definição de estratégias de doar o excedente ou transferir o que posso, os efeitos estarão sendo atenuados, mas não solucionando os problemas e este beneficiário se converterá em um objeto de assistência que dependerá do que alguém pode fazer por ele. A mudança de paradigma tem que passar por como investir no que o outro precisa, para gerar transformações no contexto e para transformar este beneficiário em um agente de mudança, com capacidade de definir a sua própria qualidade de vida e influenciar no bem-estar geral. E para isso, a RSC deve parar de pensar a partir da perspectiva do setor que a impulsiona, mas a partir da brecha que os recursos possuem e o que não alcança satisfazer suas necessidades. Atuar a partir desta brecha é sair da comodidade de onde o setor está e operar a partir da brecha entre os setores que unem.

Do poder real ao poder difuso: tantos as empresas que conduzem ações de RSC, como as organizações sociais que se unem para executa-las, consideram que o poder real de suas organizações é o que permite gerar uma mudança social. O poder real, composto pelo equipamento alugado, o orçamento, a massa crítica de aliados, aos bens materiais são necessários, mas estão longe de serem suficientes. Nenhuma organização é incidente a partir do seu poder real porque é mensurável e tudo o que pode ser medido, é neutralizado. A mudança social provém da capacidade de uma organização de construir poder difuso, que consiste na capacidade de organizar recursos tangíveis e intangíveis, que estão presentes na sociedade, e podem ser orientados em direção a um projeto comum de transformação. Poder difuso é o voluntariado, uma rede, são os meios de comunicação. São os recursos humanos, materiais e espaços que não são próprios e como não integram o poder real de uma organização, não podem ser medidos e, portanto, não podem ser neutralizados. Portanto, quanto mais difuso é o poder, mais concreto é o impacto.

Seria uma grande contribuição que as estratégias de RSC envolvessem empresas de maneira ativa e protagonista na geração bens públicos de qualidade

Do programa bem-sucedido à política pública: a RSC muitas vezes é pensada a partir da lógica do marketing filantrópico, que consiste em desenvolver uma ação social para somar reputação a uma marca. Esta estratégia implica uma perda de oportunidade, porque o mais provável é que esta ação seja levada adiante de maneira isolada e que termine formando parte de um proeminente equilíbrio social da empresa. Em troca, se pensava que esta ação pudesse ser adicionado a outros atores, promover uma articulação público-privada e que esta aliança, ao invés de diluir a presença da empresa, potencializa o impacto que pode ser comunicado, passaria a entender a RSC como uma somatória de programas bem-sucedidos para se tornar políticas sinérgicas.

9_1Do financiar projetos a investir em bens públicos: o investimento social de uma empresa pode ser pensado de duas maneiras em termos de sua escala de impacto: financiar projetos de um alcance limitado pela própria capacidade de carga ou investir em bens públicos que sejam potencializados em seu alcance. Que uma empresa ajude a investir em bens públicos passa por entende-los não apenas como algo que depende do Estado, mas como qualquer bem ou serviço que está à disposição de todos, em quantidade e qualidade iguais. Em sociedades cada vez mais complexas e sofisticadas como as atuais, os bens públicos são concebidos, produzidos, distribuídos e garantidos entre a ampla diversidade de atores, portanto, seria uma grande contribuição que as estratégias de RSC envolvessem empresas de maneira ativa e protagonista na geração bens públicos de qualidade.

Da publicidade do sucesso à comunicação do conhecimento: os esforços da RSC, em geral, estão orientados a exibir o sucesso de uma ação de bem público, como se seguisse a lógica do balanço comercial, dando publicidade ao resultado positivo de um investimento, neste caso, o retorno social, como é definido. Uma lógica diferente seria basear a estratégia de visibilidade da RSC em transmitir conhecimentos, aprendizados, as melhores práticas que geraram mudanças positivas e também os fracassos que promoveram mudanças na estratégia e novos conhecimentos. Afinal de contas, o investimento social não é feito para gerar pessoas de sucesso, mas para trazer felicidade às pessoas.

Até agora, a RSC tem sido concebida para demonstrar que uma empresa, com parte de seus recursos, faz investimento social. Diferente seria que o paradigma se baseasse em demonstrar que o impacto social é garantido a partir da totalidade do investimento empresarial. Há novos formatos, como a empresa social ou empresas B, que incorporam esta nova lógica de fazer negócios com impacto social positivo para o planeta e que agrega valor para a humanidade.

Fernando Rueda
Gerente de Alianças Estratégicas para a Europa na Fundação Avina
É gerente de Alianças Estratégicas para a Europa na Fundação Avina. Licenciado em Ciências Políticas e Sociologia pela Universidade Complutense, é especialista em cooperação internacional. Por mais de 20 anos trabalhou como consultor internacional, analista, pesquisador e gestor de programas e projetos de desenvolvimento para organismos intergovernamentais e nacionais, bem como fundações e instituições privadas. Trabalhou na Fundação Alternativas como diretor do Observatório de Cultura e Comunicação, sendo, atualmente, membro do seu Conselho Consultivo. Anteriormente, trabalhou para a AECID, a Organização dos Estados Ibero-americanos e para a Comissão Europeia, realizando dezenas de missões na América Latina e na Europa, em colaboração com instituições como a UNESCO, Conselho da Europa, SEGIB, OIF, CPLP, BID, entre outros.
Carlos March
Diretor de Comunicação Estratégica da Fundação Avina
Jornalista. Atualmente, é diretor de Comunicação Estratégica da Fundação Avina. Foi diretor-executivo da Fundação Poder Cidadão (Argentina, 2000-2005). É autor do Livro Dignidade para todos, Editorial Temas.

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