UNO Março 2017

Bolhas informativas

Como se o exercício do jornalismo não tivesse suficientes ameaças a enfrentar, em um momento em que começa a caminhar por uma trilha pouco conhecida, marcada pelas novas tecnologias, em constante mudança em um mundo globalizado, cujos limites, se é que existem, ainda estão por ser descobertos, agora, na comunicação também a informação enfrenta um fenômeno crescente, que foi piedosamente nomeado com um evidente eufemismo: a pós-verdade.

 

Estamos falando da mentira, por mais que elejamos termos anglo-saxônicos para descrever o que, em castelhano, tem uma multiplicidade de equivalentes precisos, que se resumem à palavra apontada no início desta frase.

 

A multiplicação de falsas notícias é um fato que ameaça muito seriamente a saúde dos sistemas democráticos do modo como os conhecemos até hoje e diante da qual, honestos profissionais da informação sentem-se impotentes e, na realidade, são. Porque a incontestável verdade é que os meios de comunicação tradicionais perderam crédito para a maior parte da população, que substituiu a confiança antes depositada nestes meios por uma fé, quase infinita, na informação que chega por meio das redes sociais.

 

E é explicável esta inclinação entusiasmada e entregue do cidadão frente a uma nova forma de comunicar-se e receber informações, porque esta dispensa os intermediários, que eram, até então, os jornais ou as televisões, e o interiorizam como proprietário e também como autor de seu próprio âmbito informativo.

 

Mas precisamente aí reside o problema, quando plataformas como o Facebook enviam, a cada um, aquelas informações que respondem às suas necessidades e a seus interesses, de modo que o sujeito vive, definitivamente, sob uma redoma ou imerso em uma bolha da qual não precisa e, na realidade, não pode sair. Neste contexto, todos os dados e as comunicações recebidas destinam-se a reforçar os seus hábitos, interesses e opiniões. A exposição a ideias contrárias à sua própria posição, sobre qualquer assunto, consideradas de interesse geral, não existe, porque ou estas ideias não aparecem na sua bolha ou são feitas para serem desacreditadas.

 

Os cidadãos passam a fazer parte, assim, de grupos compactos e impermeáveis.

 

Isto, por si só, é grave, na medida em que produz uma atomização de infinitas bolhas auto-referenciais, monolíticas e nas quais não há lugar para pontos de vista divergentes.

A exposição a ideias contrárias à sua própria posição, sobre qualquer assunto, consideradas de interesse geral, não existe, porque ou estas ideias não aparecem na sua bolha ou são feitas para serem desacreditadas.

Esse mundo atomizado, que se faz forte protegido por si mesmo, ao contrário, cria uma imensa debilidade, porque é o perfeito e fértil terreno para a difusão das falsas notícias – o que hoje é chamado de pós-verdade –, que não têm necessidade de serem confrontadas com uma realidade que desmantelaria sua mentira, porque o receptor da falsidade a assume como certa, na medida em que reforça suas opiniões ou crenças e as encaminha para aqueles que compartilham de sua bolha particular. Isso significa que são bilhões de notícias falsas circulando pelo mundo a uma formidável velocidade, no galope das redes sociais, sem que seja possível desmontar, com mínima eficácia, as superstições. E, embora o fenômeno seja tão antigo quanto o desenvolvimento das plataformas digitais, foi com o desenrolar da campanha presidencial nos EUA e com a vitória de Donald Trump que o problema passou para a primeira fila da consciência de uma parte da opinião pública ocidental.

 

É fato que têm sido desenvolvidos com sucesso, nos últimos anos, projetos de verificação dos fatos – o que, no mundo anglo-saxão, recebe o nome de fact-checking –, mas enquanto este esforço não for incorporado por grandes companhias, como o Google ou o Facebook, a batalha contra a viralização das mentiras ou das meias-verdades não produzirá efeitos sociais com relevância mínima. E isso acontece porque a atividade dos jornalistas dedicados à verificação dos fatos é limitada, ainda, a um consumo muito pequeno, principalmente das elites, e não alcança o público em geral.

A atividade dos jornalistas dedicados à verificação dos fatos é limitada, ainda, a um consumo muito pequeno, principalmente das elites, e não alcança o público em geral.

Enquanto não houver uma participação massiva por parte das populações interessadas na luta contra a manipulação, orientada a apresentar como certas informações falsas têm, em sua maioria, o objetivo de conduzir a cidadania a uma direção ou a posições determinadas, o jornalismo estará seriamente ameaçado e, à medida em que o jornalismo estiver nesta posição, estarão também a saúde das democracias ocidentais. Ou seja, o mundo livre.

Victoria Prego
Presidente da Associação da Imprensa de Madri / Espanha
É presidente da Associação de Imprensa de Madri. É também diretora-adjunta do jornal digital El Independiente.com. Ao longo de sua trajetória, trabalhou em televisão, rádio e na imprensa escrita. Também atuou no jornal El Mundo por 16 anos, do qual foi diretora-adjunta. É considerada uma referência do jornalismo espanhol e a melhor representante da transição espanhola, marco sobre o qual escreveu dois livros: Así se hizo la transición e Diccionario de la transición. Foi reconhecida com vários prêmios: Luca de Tena, por toda a sua trajetória; Antena de Oro, por seu trabalho em rádio; e Víctor de la Serna. [Espanha].

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