A colaboração público-privada para a transição ecológica
Durante os últimos anos, a sociedade espanhola mostrou-se cada vez mais consciente da importância de preservar o capital natural e climático e da necessidade de um sistema económico que garanta a sua manutenção e regeneração de forma adequada. No domínio da energia, isto requer um modelo de eletrificação da energia e descarbonização da eletricidade que garanta ainda — particularmente, em Espanha — a segurança do abastecimento, cuja importância tem sido tragicamente demonstrada pelos terríveis acontecimentos de guerra das últimas semanas.
A experiência tem demonstrado que o desafio da transição ecológica não pode ser abordado apenas pelo setor público, nem em termos de capacidade nem de volume de recursos. As instituições podem orientar o processo e o setor privado tem um papel a desempenhar na execução dos investimentos necessários, em resposta aos sinais regulamentares e económicos emitidos na esfera pública.
Nesta divisão de papéis necessária, cabe ao setor público:
-Estabelecer as grandes prioridades coerentes com os objetivos ambientais e climáticos nacionais, que, por sua vez, devem corresponder razoavelmente aos objetivos estabelecidos a nível europeu e internacional.
O setor privado deverá fornecer a maior parte do esforço de investimento para a transição verde, com cerca de 190 mil milhões de euros.
-Influenciar as expetativas das empresas, em particular, assegurando a irreversibilidade do processo face aos enormes riscos e custos da inação.
-Seguir os princípios de boa regulamentação estabelecidos na legislação espanhola e europeia, respeitando os critérios de necessidade e proporcionalidade.
-Garantir a necessária estabilidade regulamentar e segurança jurídica para os setores investidores que devem promover a transição, a fim de evitar sinais confusos ou contraditórios que poderiam distorcer o processo e favorecer a manutenção do.
-Procurar assegurar uma rentabilidade razoável que estimule e favoreça o investimento em infraestruturas e tecnologias sustentáveis. Devem ser infraestruturas e tecnologias facilitadoras que possibilitem as mudanças de comportamento associadas aos sinais de preços (faz pouco sentido incentivar o consumo de energias limpas se o investimento em geração renovável não for promovido; faz pouco sentido promover veículos elétricos se não houver as infraestruturas ou os serviços de carregamento suficientes).
-Assegurar que a tributação e outros instrumentos de política fiscal e orçamental garantam a internalização nos preços das externalidades climáticas e ambientais.
-Determinar um ritmo de transição económica e socialmente aceitável, mas sempre coerente com a urgência do desafio. A necessidade de períodos de transição não pode ser utilizada como desculpa para o atraso.
-Gerir a dimensão social do processo, assegurando uma compensação razoável aos grupos mais vulneráveis que possam ser afetados, com uma abordagem de transição justa.
Nos Estados compostos, como Espanha, também é fundamental uma coordenação adequada entre as Administrações Públicas. As ações de cada uma delas devem ter em conta o quadro jurídico das instituições relevantes e as suas ações devem ser realizadas de forma harmonizada e coordenada, procurando assegurar que sejam coerentes com o interesse público em todas as suas dimensões.
Com base neste quadro institucional, o setor privado deve desenvolver a sua atividade contribuindo com esforço de investimento e capacidade de execução, mas também conhecimento e inovação, com um horizonte a médio e longo prazo, com o objetivo final de alcançar estes fins de interesse geral da forma mais eficiente possível num contexto competitivo e favorável ao investimento.
A transição verde requer investimento em novas instalações e infra-estruturas e, por conseguinte, processos de revisão ambiental.
Os números relativos ao investimento necessário são elevados: o Plano Nacional Integrado de Energia e Clima (2019) prevê 240 000 milhões de euros só para a transição energética. De acordo com o acima exposto, estima-se que o setor público terá de investir cerca de 50 000 milhões de euros (principalmente infraestruturas e subsídios), enquanto o setor privado deverá fornecer a maior parte do esforço de investimento, com cerca de 190 000 milhões de euros. A correta interligação entre o público e o privado determinará se essas previsões podem ser realizadas, em particular, com base numa conceção adequada de subsídios e infraestruturas que assegure a máxima indução do investimento privado.
As parcerias público-privadas podem ser implementadas através de uma variedade de canais e ferramentas jurídicas. É importante que os instrumentos legais necessários existam e sejam acessíveis. Outros países aplicam, há muito tempo, fórmulas que permitem, com as salvaguardas necessárias, uma colaboração estreita e construtiva entre os setores público e privado: considere-se os procedimentos de concurso de “livros abertos” ou a possibilidade de o setor privado fazer propostas para projetos futuros (“iniciativas privadas”) em áreas onde existe interesse público e rentabilidade suficiente para o investidor. Entretanto, em Espanha, a mera adjudicação de concessões comuns há muito que se tornou praticamente inviável, uma vez que tem sido condicionada ou dificultada por requisitos regulamentares de utilidade pública questionável.
Por último, a transição ecológica requer investimento em novas instalações e infraestruturas e, por conseguinte, processos de revisão ambiental. É essencial que estes sejam aplicados com rigor e seriedade: Espanha é um país com uma grande riqueza natural que é imprescindível preservar. É igualmente necessário que esses processos internalizem o impacto ambiental do investimento para prevenir as alterações climáticas, cujo efeito protetor ambiental a médio e longo prazo é indubitável. Isto exige que estes processos de revisão ambiental sejam associados a recursos humanos e materiais proporcionais à importância e urgência do desafio climático-ambiental e que sejam assegurados tempos de processamento razoáveis. Não devemos associar o rigor necessário destes processos a atrasos no tempo necessário para a sua resolução; é possível realizar análises ambientais exigentes ou mais dentro de prazos razoáveis se estiverem disponíveis os recursos necessários para os mesmos.
A colaboração público-privada deve procurar “o melhor dos dois mundos”. A simbiose do funcionamento público e privado independente, mas colaborativa.
Em suma, a colaboração público-privada deve procurar “o melhor dos dois mundos”. A simbiose do funcionamento público e privado independente, mas colaborativa. Cada um dos agentes contribuirá com o seu potencial de modo a alcançar as maiores sinergias possíveis entre eles. Estes foram os alicerces sobre os quais se construiu a posição da Europa em matéria climática, e a sua continuidade e o seu reforço serão também fundamentais para assegurar que a próxima fase da transição ecológica (ainda mais delicada do que a anterior) decorra de forma suave e eficaz.